quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Boca Júniors vs River Plate em La Bombonera

Acordamos tarde, de novo! O galo dessa cidade só pode ser retardado...rs. Adiantamos os preparativos para o encontro entre Bosteros vs Galiñas. O país respirava fútbol nesse domingo. Na tábua de classificação, o gigante Boca se encontrava na metade de baixo; e o também forte River Plate, estava rodeando o quarto posto. Ambos aquém da fama e jogadores que possuem. Mas para o choque dessa tarde, tudo claramente é esquecido, dane-se que ambos não aspiram mais nada – é o único jogo, em La Bombonera, do ano. Diferente de Corinthians x Palmeiras que chegam a jogar cinco, seis vezes ao ano, tirando um pouco do brilho do clássico paulista. Então é como se além do torneio do primeiro semestre – clausura – estivesse em disputa um campeonato a parte: o superclássico Boca Júniors versus River Plate. O estádio denunciaria isso: 57 mil assentos tomados. O Pablo, recepcionista do hotel e torcedor do Ríver, nos deu alguns toques sobre o que levar e como se porta o hincha (torcedor) de futebol argentino: “Já que vão ficar nas populares, não levem nada de valor. Principalmente máquinas digitais. Pois as pessoas que freqüentam esses locais são drogados e bêbados, e quando notam que há turista entre eles roubam com a conivência da policia. Naquele setor quem manda é a Barra Brava.” Terrorismo foi pouco! A prudência dizia pra deixar máquinas digitais no hotel, como fizeram o Giuliano e Cróbis. Arrisquei juntamente com o Maffei. O esquecimento foi de não levar o palm para gravar o som ambiente da torcida. Lamento isso até agora. Tão logo tombamos dos táxis, o Dirceu exibiu orgulhoso os ingressos dele e do Gordela: “Paguei só P$ 40 cada, e se tivesse chorado mais 15 minutos, teríamos pago 30. E vocês pagaram 100.” É verdade. Porém, eu particularmente paguei e não me arrependi, pois foi bem melhor ter dormido com o ingresso na mão do que com a real possibilidade de não assistir ao jogo – chamariz da viagem. Seria frustrante. Ainda que o Dirceu tenha feito o negócio da China, pra mim foi bem-pago e não se fala mais nisso!

Passamos na revista policial. Tiramos uma foto com um torcedor símbolo do Boca. Maffei aproveitou pra trocar um peso pela cara pintada com as cores do time da casa. Confesso que estava com medo de inserir o ingresso na catraca, já pensou se é falso? Eu faço nas calças e o Maffei infarta. Passamos, ufa! O alivio do ano até agora. Quem ficou pra trás foi o Tiago – um tinha que dar zica. Mas rapidamente se resolveu e ele se ajuntou a nós. O jogo começaria às 15h (cedo, hein) e chegamos por volta das 14h. Querer demais se colocar num bom local pra assistir: nos dividimos em três blocos. Os que desceram mais: Maffei e Val; eu, solo, que desci até certo ponto, mas seria ruim descer mais, até porque a vista estava satisfatório; e o Cróbis, Figueira, Tiago. Lembrando que Dirceu & Gordela estavam detrás do outro gol. Timidamente e olhando o naipe dos torcedores ao redor de onde estava, fui disparando os primeiros flahs. Não vi nada que me amedrontasse e, ter levado a maquina se revelou um acerto. As primeiras manifestações, ainda na preliminar dos juniores de Boca 1 x 3 Ríver, arrepiaram. Músicas cantadas com muito ritmo e emoção. Inevitável comparar com nossa forma de torcer – e eles estão degraus acima. Mais criatividade, sobretudo. Muitas músicas, até pra zoar o ex-Bambi Amelli. No Brasil, o “Sou Brasileiro com muito orgulho e muito amor” também pode ser “corintiano”, “atleticano” ou “piracicabano”. Muita mesmice, sempre achei isso. E olha que deve ter músicos dentro das organizadas. Xingo tem, obviamente, de monte: o preferido é la concha de la madre, a do juiz dos jogadores do River eram as preferidas. E quanto a incentivar ao tempo todo? Onde estávamos não era assim. Já do outro lado a “12” cantou até no gol do River. Não creio que o argentino goste de futebol mais que o brasileiro mas ele o expressa com mais vontade e passividade. No campo isso se traduz na velha raça argentina tão destoante da nossa.

Si quieren ver fista, vengan a La 12, porque esta es la hinchada más loca que hay (...) Dois personagens que analisei nas arquibancadas: um jovem que cantou todas as músicas da hinchada (torcida) – comoventemente – sem parar, sem perder ritmo ou voz. (...) Com bombos trompetas, todas sus banderas (...) Passou de mil as vezes em que dizia para si mesmo e em voz alta “te amo muito Boca” – e beijava o escudo incessantemente com ardor. Escudo e La Bombonera, para ele são símbolos sagrados do clube. Isso quando se aventam a possibilidade de construir outro estádio para comportar a grande massa do clube, que fica de fora devido ao limite de capacidade de publico. “Não, nunca!” (...) Todos los Borrachos, se quieren matar. Outro menininho (6 ou 7 anos) sentado numa grade, mostrava com um brilho nos olhos o seu sentimento incondicional pelo time, xingando, cantando e fazendo parte – desde muito cedo – do inconsciente coletivo que é torcer por uma grande equipe. Muito lindo de se ver!

Tinha uma missão como corintiano: observar se Javier Mascherano, 21 anos, volante do River Plate e seleção argentina, vale mesmo os US$ 15 milhões. Estabelecer justiça entre valores e qualidade técnica de jogadores é algo complexo: Denílson custou US$ 31 mi, Tévez 22 e outras fábulas mundo afora. Quanto ao Jefecito (apelido do craque devido à sua autoridade em campo), marcou, discutiu com o Amelli, distribuiu o jogo com eficiência e passes precisos, driblou até a linha lateral e cruzou, bateu (duas entradas que tive dó do boquense), enfim, foi o melhor do time derrotado segundo os três jornais que li. – um leão que já deixa saudades nos seguidores do time de Nunes – Média 7,2. No parágrafo abaixo seguem as médias dos destaques nos jornais Clarin, La Nación e Olé.

Já dentro das quatro linhas: o River pressionou, pressionou e levou o gol do veterano Guilhermo Schellotto (32 anos e média 6,5), aos 13 do primeiro tempo. “Guidgê, Guidgê”. Gritaram ensandecidos os hinchas para o craque, agora ídolo maior após a saída de Carlito Tévez para o Corinthians. De quem muito esperava era de Gallardo, meia do River, dotado de uma habilidade fantástica na canhota. Pouco fez e só ciscou (5,66). Quem parou o meia rojo & blanco foi um jovem de 20 anos, Gago (6,83). O River empatou no inicio do segundo tempo, Lucho Gonzáles, aos 36. O grande destaque do jogo foi, sem dúvida, o arqueiro Pato Abbondanzieri. Com pelo menos duas defesas (ambas a queima-roupa) justificou a condição de titular no arco argentino: média 9!!! Sinceramente não fosse um detalhe o tradicional e glamouroso superclássico teria terminado melancolicamente empatado, a meu ver. O detalhe, como disse uma vez Parreira, foi o gol. E que gol... 36 minutos da etapa derradeira. Marcelo Delgado, 30 anos, reserva de luxo, entrou aos 16 do 2º e bateu uma falta colocada, com efeito, longe de Constanzo. “Cuántos dedos le metistes?”, manchete do porteño Diário Olé. Loucura em todo cenário, todos se abraçaram com explosão máxima! Sentado no chão, o goleiro do River vê, desolado e com cara de bundão, o mar azul e amarelo comemorar. Ele se colocou mal pra caramba. No gol minha falta de azar foi brutal: estava gravando tudinho na câmera digital.... Delgado ajeitando a bola... Constanzo orientando a barreira, aí ele dá um passo e acabou... ódio, ódio! Deu memória insuficiente. Por menos de 5 segundos perdi de guardar a trajetória da bola à rede e a torcida enlouquecer por toda La Bombonera. O Murphy não gosta mesmo de mim, ele e suas leis idiotas.

BOCA JÚNIORS 2 x 1 RIVER PLATE. A torcida embalava o time rumo à vitória. De repente, Pallermo (aquele que perdeu três pênaltis em um jogo de Copa América, anos atrás) dá um passe de letra, em seguida, faz um gesto com as mãos pedindo que a torcida, já enlouquecida, se levantasse e urrasse em êxtase. La Bombonera tremeu e quase veio abaixo. Na conclusão do lance a bola foi tirada de bicicleta, com o bico da chuteira do defensor batendo no rosto do jogador. O caldeirão fervia, o atleta do Boca se machucou com a firula de Pallermo, as bolas sumiram e la hinchada só cantava. E continuou cantando na saída do estádio, nas ruas, carros e ônibus. Ainda coincidiu do ônibus do Boca passar e a galera fazer o maior auê. O Figueira atentou-se para a falta dos cavalos da PM que nas cercanias do Morumbi transita com gambés descendo o porrete. Afinal torcedor em São Paulo é tratado como gado.

Final Feliz para o superclássico. Torci para o Boca, claro! E vou torcer para os Galiñas argentinos? Espécie de bambis locais (não à toa que também amarelaram perante a um time de raça e torcida), clube de maioria da elite porteña, los milionários, é outro apelido. Outra canção chiclete entoada foi essa, que acredito, dispensa tradução: “Boca no tiene marido. Boca no tiene mujer. Pero tiene um hijo bobo. Que se llama River Plate.” Risos... Hilário também uma música que tem num cd do Boca, com fundo de pios de galinhas, tudo para zoar as frangas de Bs.As. Elas ficaram no anel superior acima de onde ficamos, cerca de cinco mil apenas. Pra falar a verdade nem as vi, e vi que jogaram mijo em nós. Uns fedidos. Um deles mijou em direção a torcida xeneize com o bilau para fora. Um boquense fez um sinal com os dedos de “que pipiu pequeninho, maricón”. No hotel, o funcionário Pablo (aquele que fez terrorismo sobre as máquinas digitais e torcedor do River) me serviu sorrindo e dizendo: “Por favor, nada de futebol hoje.” Acho que incorporei a raiva sadia a eles. Já até achei um torcedor próximo para gozar: o Mauro, argentino que mora no Brasil e é chefe do Sérgio, meu primo. Dia seguinte, vendo meu primo conectado no MSN, já iniciei os “chupa Galiñas, chupa Mauro”. E nem conheço o argentino direito, só falei com ele por telefone. Daí a pouco o próprio Mauro sentou no lugar do Sérgio e rebateu: “Seus bosteros de mierda, tengo azco de vocês. Bolivianos y paraguayos!” Misturando português e espanhol ele xingou, e aludiu ao slogan boquense de torcida “metade mais um” que, segundo os riveristas, esse “mais um” são bolivianos e paraguaios que são tratados preconceituosamente. Assim como dizem que para os corintianos torcem muitos baianos etc.

Ao menos um torcedor do Boca não terá motivos para comemorar esse superclássico. Quando acabou o jogo ficamos conversando com os torcedores próximos que se interessaram por saber sobre os brasileños. O Cróbis contou que pagou P$ 100 de um cambista. O rapaz se interessou em ver o ingresso, em seguida, questionou se poderia trocar o ingresso vendido – ilicitamente – pelo do torcedor sócio, pois através do número que continha na entrada poderia denunciar o infrator. O Maffei e Figueira também trocaram. O Cróbis não perdoou e disse em tom triunfal: “Ao menos um argentino nós fodemos.”

Frase do Maffei: “Assisti Boca vs River, posso morrer em paz.”

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