quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Do virtual ao real

No dicionário Aurélio, “virtual” é definido como algo “que existe com faculdade, porém, sem efeito. Algo possível de se realizar.” Pois bem, essa possibilidade de realização faz inúmeros internautas se arriscarem aos encontros virtuais

Imagine um garoto tímido, que possui um computador em casa e uma boa dose de imaginação. Essas são algumas das características de pessoas que, ao invés de curtir as baladas da noite, optam pelo conforto da casa, mais especificamente: chats de bate-papos na Internet, de onde nascem os blind dates, em nosso idioma, “encontros às escuras”. Esse é mais um dos filhotes da era pós-moderna. Do virtual, não só compras ou produtos, também os encontros. Uma das ferramentas para isso, além das salas de bate-papos dos grandes portais Terra, UOL, Yahoo e outros, são algo mais específicos: as chamadas “mensagens instantâneas”. Nesse segmento o mais utilizado é o MSN Messenger da Microsoft, mas também há o ICQ, aquele do inconfundível e irritante barulho de “ôôuu!” sempre que vêm mensagens. O objetivo do internauta, uma vez agrade a conversa escrita, é cadastrar o endereço de e-mail do MSN do paquera em potencial. Já na lista de contatos, sempre que ambos estão on-line se inicia o diálogo por meio de letras, sinais, sons e até imagens, aumentando a intimidade dos envolvidos.

Em cerca de cinco anos já me encontrei pessoalmente com mais de vinte garotas. Até confesso que essa matéria é um tanto autobiográfica, pois as experiências pessoais serviram para entender alguns comportamentos. Também aproveitei o ambiente familiar (portal Terra, nas salas de namoro de 20 a 30 anos) para captar as entrevistas. Uma das conclusões que chego é que dá para identificar personalidades distintas nas diversas pessoas com quem teclamos. Essa característica se nota nos diálogos diários de assuntos rotineiros. Pelas letras dá pra se sentir o humor do parceiro; se se emite poucas palavras – estilo “monossilábico” – ou é porque está ocupada com outras (gerando, ops, ciúmes) ou desanimada. Já se se capricha nas “!!!s” é porque está tudo jóia!!! Parece mentira, mas rola até crises na relação. Um exemplo: teclava religiosamente todos os dias com uma garota de Ribeirão Preto – minha “caipirinha”, a chamava. Um dia quebramos o maior pau. É normal ficar chateado depois de uma ríspida discussão, mas isso com pessoas de carne e osso, não com aquelas que somente conheço por letras. Incrível como ambos sentiram o mal-estar em igual intensidade.

Depoimentos via net – Na nova mania do orkut, existem seis comunidades sobre “namoros virtuais”, com cerca de 200 adeptos que depõe abertamente nos fóruns. Num deles, Marta contou sobre encontros virtuais à distância: “Era um oceano a separar-nos. Quando nos conhecemos, ele estava em São Paulo e eu aqui em Lisboa. Namoramos cerca de oito meses, via Internet. Hoje estamos vivendo juntos em Portugal – ele veio pra ficar comigo em definitivo. Estamos muito felizes juntos!” Como se vê, os tempos são outros. Trocou-se o contato visual e físico por teclados, monitores, imaginação. Elementos da virtualidade. Mas quais as justificativas da busca por um relacionamento dessa natureza?

Jaqueline, 36 anos, médica, casada com um internauta, resumiu sua experiência pessoal: “Você pode selecionar com quem quer conversar. Não precisa sair de casa, se arrumar etc. Na verdade meu esposo foi uma exceção, pois teclei com vários durante um tempo sem ter coragem de conhecê-los, tinha receio. Com meu marido foi diferente, teclamos somente uma noite, trocamos telefones e já saímos. (Risos.) Com isso, o impacto foi bem menor, pois quando teclamos muito tempo a ansiedade é maior, se formando até uma personalidade no imaginário das pessoas.”

A psicóloga Jackie-RJ (seu nickname na sala de bate-papo e ao ser perguntada a idade, limitou-se a um “jovem”) acredita que o ambiente cibernético facilita aos sonhadores e tímidos, diferente de indivíduos muito práticos, que têm mais dificuldade em lidar com a distância e os riscos. Na vida real é fácil identificar os exemplos bem-sucedidos: amizades, namoros e casamentos. Assim como o outro lado da moeda: os engraçados micos e até crimes, que dada a atual freqüência, já se banalizaram na sociedade.

Para o vendedor Fábio é mais fácil se conhecer pela net, de onde já teve contato pessoal entre 30 e 40 garotas. Está casado com uma, inclusive. Tática: a verdade. Porém, isso não o eximiu dos percalços. “Uma garota me falou que era ‘fofa’ sem dizer o peso exato. Marcamos de nos vermos. Ela tinha 155 quilos – uma baleia. Quando a vi de longe, fui embora.” Lembro-me que uma gaúcha que conheci me omitiu que fumava – e odeio cigarros. Outra guria, também gaúcha, reduziu a idade e omitiu o curso que fazia. “Tenho 23 anos e faço letras”, disse na época. Antes do encontro, consertou e alegou: “Se dissesses que tinha trinta anos e cursava direito tu não ia querer saber de mim, guri.”

Isso é nada comparado à tragédia acontecida em Criciúma, interior de Santa Catarina, em 2002. A empresária Sandra Pirola, 45 anos, mantinha um namoro virtual havia quatro meses. No então primeiro contato pessoal, o namorado, Fernando Figueiredo, 20, com a ajuda de três amigos, forjou um assalto em uma estrada. Ao parar o veiculo, a empresária levou um tiro na nuca e outra nas costas. Morreu. Em seguida, os criminosos foram até a casa de Sandra e roubaram dinheiro e objetos pessoais. A policia só chegou até eles graças a uma amiga da vítima que falou do namoro virtual.

Cartilha – Baseado em histórias como essas, deve-se sim, criar um cuidado especial, afinal, por mais que se tecle com o parceiro, ele ainda é um estranho. Com a afinidade cultivada diariamente é inevitável querer passar do teclado ao fone, e do fone ao olho no olho: o esperado encontro às escuras – quanto tempo diria uma “cartilha para os leigos”? Varia de relação para relação, eu, particularmente, sempre sigo a intuição. Já aconteceu de eu dar um “alô” para uma garota – Mariazinha (nome fictício) – no mesmo dia que troquei mensagens. O resultado foi positivo, a conheci dois dias após telefonar e ela é hoje uma grande amiga. Coincidência é que se casará, em janeiro de 2006, com outro internauta. Com uma diferença: ela teclou, pacientemente, por quatro meses antes de aceitar um convite para um contato pessoal. Em ambos os casos houve uma certa naturalidade.

Seguindo a cartilha, depois de “quando”, “onde”? Os preferidos e mais seguros – portanto, recomendados – são as salas de alimentação de shoppings, assim como bares movimentados. Outra recomendação é prestar atenção – desconfiar mesmo – na coerência de informações sobre a vida do parceiro, como emprego, gostos pessoais, rotina diária, relações emocionais anteriores, família. Nesse ínterim, há outra obrigatoriedade: fotos. Na era das máquinas fotográficas digitais e scanners é prático enviar.

A escrita – Outra teoria do ato de teclar é sobre a escrita. Vivemos um momento único da história da humanidade, pois quando pensávamos que a escrita seria ultrapassada no futuro, hoje é o meio mais usado e tende a ser mais difundido ainda com a redução da exclusão digital no Brasil. Na verdade, não nos apaixonamos por pessoas, mas por o que elas escrevem. Jamais na história, escrever teve tanta importância. O terapeuta Roberto, 36, até brincou com a situação. “Isto denota que no futuro as pessoas terão que fazer ‘plástica’ nas palavras para serem amadas, porque as exigências serão cada vez maiores.” Isso não deixa de ser preocupante, porque torna as pessoas mais frias, mais dependentes da máquina. O que torna o mundo dos computadores mais atraente ainda é o avanço a passos largos da tecnologia. Além de digitar O ato de teclar ganha novos elementos em busca de uma maior interação. Pode-se ouvir e falar com o internauta. Mais impressionantes são as imagens proporcionadas por uma webcam em tempo real, o que facilita uma forte tendência: o sexo virtual. A pergunta que fica é qual o próximo passo dessa nova era?

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