terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Medalha de ouro

A pauta de rádio-jornalismo no meu segundo ano de Metodista era sobre os 13 profissionais cedidos pela Universidade Metodista à equipe brasileira de handebol masculina, no Pan-Americano de Santo Domingo, na República Dominicana, em 2003. Até então o Brasil não havia ganho a medalha de ouro. Bolei quatro perguntas previamente e segui pro ginásio, imaginando encontrar alguém do “segundo escalão” do time. Uma secretária da coordenadoria de esportes anunciou: “O Ronaldo SB [ésse-bê] está aí. Ele ganhou a medalha e acabou de chegar.” Desacreditei que falaria com um medalhista. Eufórico, pedi pra ela solicitar a entrevista. Gentilmente, ele aceitou. Mesmo atarefado, pois o atleta iria a um compromisso do novo patrocinador no Rio, em seguida iria pra Sergipe, sua terra natal, pra desfilar em carro de bombeiros. Foi uma experiência ímpar, pra mim estava entrevistando o “Fenômeno” ou qualquer outro superstar do futebol. É fato que o esporte amador do Brasil só sobrevive da garra dos seus praticantes. Ronaldo, 37 anos, estava fresquinho de emoção, era nítido na voz. “Foi o dia mais importante da minha vida [a final do Pan].” Quanto à entrevista, fui profissional, mas no final fugi da pauta, abordando a vitória sobre os encardidos argentinos e o futuro nos Jogos Olímpicos de Atenas, em 04.

ENTREVISTA RONALDO SB, DO HANDEBOL: É OURO!

Zé: mudou algo em relação ao Pan do Canadá em 1999?
Ronaldo: totalmente. Porque se trocou a Comissão Técnica, então é outra filosofia de trabalho. Em Winnippeg [Canadá] nós disputamos a final contra Cubá. E foi quase o mesmo jogo contra a Argentina [Pan deste ano], porque foi decidido na prorrogação. Infelizmente no Canadá nós perdemos por um gol de diferença. Já agora neste Pan-Americano, com outra mentalidade, saímos daqui já sabendo que íamos enfrentar a fortíssima Argentina na final. Por isto, nos preparamos muito, tanto na parte nutricional quanto na psicológica e física. Acho que a equipe de fato foi uma “equipe”, o que contribuiu nesta vitória e a consequente classificação para as Olímpiadas, que é o mais importante.

Zé: é surpresa ser base da Seleção ou já era esperado?
Ronaldo: não-não, a Metodista no cenário nacional é a potência no handebol. A equipe já foi seis vezes campeã paulista, é a atual detentora do título e também hexacampeã da Liga Nacional. E ainda faltaram alguns atletas por lesões: o Agberto e o Sidney, machucados, não foram e poderiam estar lá somando com a gente. Não é surpresa nenhuma! Temos tanto atletas
como Comissão Técnica: o preparador físico, o fisioterapeuta, além do técnico Alberto Rigollo. No feminino, onde equipe é forte e também campeã, foram cedidas atletas e a técnica.

Zé: qual é a filosofia de trabalho deste time?
Ronaldo: temos um projeto na Universidade que é um trabalho social. Projeto de escola de esporte que envolve cerca de mil crianças carentes. Então a filosofia é justamente unir o lado social com os profissionais que jogam, a maioria atletas, além de serem professores de educação física. Estes profissionais trabalham com as escolinhas, das quais podem surgir grandes atletas.

Zé: Eu ia tocar neste ponto, como funciona o processo de seleção dos jogadores, desde as escolinhas até o profissional?
Ronaldo: nas escolinhas temos as “categorias de competição”, que são separadas em mirim, infantil, cadete, juvenil, júnior e adulto, obviamente por idade. Os atletas que se destacam são aproveitados nas competições. E aí eles vão aprendendo e subindo até chegar no adulto. Por exemplo, o goleiro Marcão começou numa escolinha. O Mike, a mesma coisa.

Zé: todos os atletas estudam na Universidade?
Ronaldo: a maioria estuda. Eu já sou formado em educação física, atleta de handebol, trabalho na coordenação de esporte, como professor de ginástica laboral para os funcionários, coordenador das escolinhas esportivas e também técnico do infantil masculino.

Zé: em relação às Olímpiadas, qual a expectativa do Brasil de medalha? E quais são as equipes favoritas?
Ronaldo: já é mais difícil. É sonhar demais. Mas nada é impossível. Trabalhar dobrado já que conseguimos alcançar a vaga olímpica no Pan. Agora é pensar em Atenas-04. Lá vamos enfrentar as maiores potências mundiais do esporte no cenário do handebol: a França, Croácia (campeã mundial), Rússia, Dinamarca, Suécia e Alemanha. Qualquer uma destas pode ser campeã. Só que o Brasil, há dois anos, deu um salto de qualidade muito grande. Ainda estamos sendo derrotados contra estas equipes, mas já estamos fazendo jogos de igual para igual.

Zé: o intercâmbio é grande, existe patrocínio?
Ronaldo: antes, quando nossa Federação não tinha patrocínio, havia um intercâmbio menor. Agora que fechamos com a Petrobrás, teremos a oportunidade de realizar amistosos contra estes europeus, e conseqüentemente nos aproximar deles.

Zé: como foi a batalha pelo ouro contra a Argentina?
Ronaldo: nós já sabíamos que o jogo ia ser muito, muito parelho. Antes, havíamos jogado dois campeonatos contra eles e perdemos. Porém, desta vez, o trabalho que foi feito visando esse combate foi excepcional. Eu sabia que o jogo ia ser decidido no final: apertado no tempo normal, na prorrogação ou quem sabe nos 7 metros. Em Santo Domingo, o jogo mesmo terminou 24x24 e na prorrogação (dois tempos de cinco minutos) foi 31x30. A sensação foi de “o dia mais feliz da minha vida”. Esse foi meu quarto Pan-Americano: uma medalha de bronze, duas de prata, mas sempre correndo atrás do ouro. A alegria foi conquistar a medalha com nossos méritos. Ganhar os Jogos Pan-Americanos, e contra a Argentina, é muito bom e não tem coisa melhor! Porque eles são meio arrogantes, sempre arrogantes, em todas as modalidades não é só no handebol. Quando a gente a fala com atletas de outras modalidades que ganhamos da Argentina, eles dizem “puxa, que legal!” Tenho amigos na Argentina, inclusive no time, o Gonzalo, que estava lá jogando contra. Gente boa, mas na hora é “rivalidade”, estamos lutando pra conquistar a medalha pro nosso país. Então, entra o patriotismo. Eu acho que além de tudo é fundamental você estar no podium, com aquela bandeira do Brasil e escutando ou cantando o hino nacional.

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