quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

O fato e o martelo

Assim como na conquista são-paulina da Libertadores-05, não há como não parabenizar o feito da equipe do Morumbi, tri-campeão do mundo. E dessa vez sem vandalismo, a cidade agradece. Palmas e palmas. Realmente eles, em se tratando de história internacional, estão no primeiro mundo. Corintianos – eu e a maioria paulistana – ainda engatinham no terceiro mundo. Basta reunir dados recentes. Isso é um fato incontestável. Mas pra torcedores não existe fato. Eles brigam com os fatos. Não aceitam o óbvio, o oficial. O coração manda, o cérebro pára e a boca obedece. Ficam cegos ao fato. Querem gozar, fazer troça, exageram na dose e falam muita besteira. Reproduzem uma maioria que além de torcer – anti-torce. Vale mais secar o rival do que torcer pelo próprio escudo.

Eu me incluo fora dessa anti-torcida por ao menos duas razões. Uma por amar o esporte, gostar de futebol bem jogado independente da camisa que o craque veste. Maradona, Zico, Zidane, Ronaldinho Gaúcho, Robinho Pedalada, Edmundo Animal, Denilson dão gosto de ver e fazem – já fizeram! – um estrago tremendo no seu time. Após a ressaca, masoquisticamente, aprecio os lances, os gols, a arte. Outra razão – essa profissional – escolhi o oficio do jornalismo. Se ser 100% imparcial é uma utopia, ao menos se aproximar. Olhar com os olhos da razão quando a situação exigir, dar um passo atrás e analisar. Como busco aqui.

O que mais me incomoda, futebolisticamente falando, é o desprezo dos rivais com o Primeiro Mundial de Clubes da FIFA, realizado no Brasil, em janeiro de 2000, ganho pelo Corinthians. Simplesmente desmerecem a façanha alvinegra dizendo se tratar de um “Torneio de Verão”, que o Corinthians foi um mero convidado. Um amigo ditou outra contestação: “Não passou nem na Globo...” Rogério Ceni, ídolo máximo tricolor, verbalizou o sentimento dos detratores do torneio: “Para ganhar um campeonato mundial tem que cruzar o oceano.” E o povo adora uma frase, assumiu-a como se fosse a verdade absoluta e suprema; virou clichê. Pois não, vamos às contra-argumentações, iniciando pela própria organização do Mundial.

Eu sou a FIFA, órgão máximo do futebol mundial. Quero um torneio intercontinental além do que já é disputado no fim de ano, no Japão, disputado entre campeão sul-americano versus europeu. Um campeonato mais justo e abrangente, envolvendo os seis continentes. Afinal, mesmo que esses dois sejam a nata da bola, eles não são o mundo, ainda que sempre terão 99% de realizarem a final.

Onde? No Brasil, o país do futebol. Acaso há alguma regra que Mundial só pode ser disputado no frio e distante Japão? Claro que não. Quem jogará? Campeão europeu de 98 foi o poderoso Real Madrid. Da Toyota Cup, veio os ingleses do Manchester United; da Concacaf, o mexicano Necaxa; da Oceania, o South Melbourn; África, Raja Casablanca; Ásia, Al Nassr. Comercialmente, para a empreitada fazer sucesso tem que haver representantes do país sede. Um, por ser o campeão da Libertadores de 98, será o Vasco do Rio de Janeiro, da CBF, com Maracanã, Corcovado e Copacabana. O represente do país sede, foi o Corinthians, bi-campeão brasileiro nos anos de 98 e 99 – o que absolutamente não é fácil!

Não sou mais a FIFA, aliás, até a ataco agora: se o evento foi em 2000, por quê não pegar os representantes de 99? Do Brasil, pelo critério estabelecido pela entidade, iriam Corinthians (de novo campeão brasileiro) e Palmeiras, vencedor da Libertadores. Opa, mas aí já são dois times de São Paulo sem a Cidade Maravilhosa Cheias de Tantos Mils. Incluir o Vasco, de Eurico Miranda, foi um jeitinho brasileiro de unir São Paulo e Rio no mesmo campeonato, de lotar os palcos sagrados do Maracanã e Morumbi. Ou seja, se tem um penetra nessa história, é o Vasco da Gama.

Ah, mais o Corinthians não ganhou o continente como pode ganhar o mundo, cara pálida? Por um acaso os anfitriões das Copas do México, Estados Unidos, Coréia, Japão etc ganharam algo para jogar uma Copa do Mundo? Alguém sabia que a Inglaterra foi campeão do mundo (com aquele gol que a bola não entrou, mas tá valendo, pois o cidadão de preto não viu), em 66, na própria Inglaterra, mas não ganhou o torneio europeu até hoje? É, seguindo a lógica dos defensores da tese de ter que ganhar o continente e depois o mundo, os ingleses também serão contestados. E nunca ninguém parou para pensar sobre isso, né? Sabe qual o problema? A maioria das pessoas tem uma visão muito estreita das coisas, quase única. É como se a única ferramenta que elas dispusessem fosse um martelo, então tudo que vêem é prego e batem, batem e batem sem pensar que há outras ferramentas. Outras formas. Outros paradigmas. Mas é muito difícil entender, aceitar e, acima de tudo, respeitar um novo conceito.

O que emporcalhou tudo foi que 1) de fato, o Corinthians recebeu ajuda da arbitragem – como todo anfitrião recebe, vide Inglaterra-66, Argentina-78 e Coréia-02 – no lance do Fabio Luciano, em que a bola não entrou claramente. O gol ajudou aos corintianos irem a final, por um gol de saldo a mais que o Real Madrid. 2) O segundo mundial seria jogado na Espanha. Os palmeirenses iriam nesse com certeza. Pagaram até a “Casa Madrid”. Acontece que a organizadora, a suíça ISL, faliu. Abortou-se o Mundial. O Palmeiras tomou um baita prejuízo. Estavam loucos pra ganhar o torneio e tomaram na tarraqueta! Eles se esquecem e querem tirar barato de nós... esses eu não perdôo. 3) Devido a falência da ISL houve um longo hiato entre o Mundial de 00 e a segunda versão, também nunca houve consenso entre FIFA, UEFA e Sul-americana de quando seria jogado, os europeus e seu nariz empinado desprezam o torneio, assim como quase todas as Toyotas Cups. Com isso, o Corinthians ficou isolado por muito tempo como único vencedor.

Não passou na Globo? Desde quando essa emissora é selo de validade para campeonato de futebol? Monopólio que nos envergonhou quando chamou de “festejos do aniversário de São Paulo” uma mega-passeata gigante na Praça da Sé pelas “Diretas já”, em 85. Chamou o povo de “trouxa”, isso sim. E a eleição mandraque do Collour com o debate editado, pondo Lula esbaforido e o Collor maravilhoso e impecável? Fujamos da política, fujamos também da Globo.

Dizem que o Corinthians ganhou o título do Vasco somente nos pênaltis – e como o Brasil ganhou o Tetra e o Palmeiras ganhou a Libertadores etc?; que o Manchester United veio aqui pra tomar sol, caipirinha e comer puta; isso é problema deles, pois vieram completinho, assim como o Real Madrid, com quem empatamos em 2x2, com Raul, Roberto Carlos, Casillas, Hierro, Anelka, Sávio, Seedorf. Um jogaço em que Edílson disse “pleased to meet you” para o zagueiro Karembeau – “quem é Edílson?” – com uma janelinha inenarrável!

Já cansei de defender os argumentos acima. Meu preferido é “entre o que o órgão máximo do futebol mundial determina e um torcedor apaixonado pensa, fico com a FIFA”. Mas irrita, cansa. É pequeno, mesquinho, arrogante – uma atitude perdedora que não reconhece a vitória alheia. Jogamos e ganhamos, é fato e ponto.

Seria muito fácil eu pegar uma carona nos tablóides britânicos e dizer que o titulo sãopaulino foi injusto por um suposto pênalti do Lugano, que também mereceria ser expulso, mais gols do Liverpool anulados, excesso de defensivismo dos brasileiros. Bollshits!!! Chorem ingleses, engulam mais essa derrota aos brazucas – duas em Copas (70 e 02) e duas pra equipes brasileiras em mundiais de clubes (Flamengo e São Paulo, ambas em cima dos Reds). A exceção é o Palmeiras contra o Manchester, 99. Ainda que me mantivesse neutro na final de Yokohama, também não estampei símbolo do Liverpool no MSN, nem dei asas para um favoritismo demasiado ao time dos Beatles, endossado na declaração da estrela do time, Gerard, “nesse momento nos sentimos imbatíveis”. Caiu do burro e na foto do aperto de mão de Rogério, ficou com cara de ass. Antes ficasse calado...

Só sei que todo essa negação a respeito do titulo de 00 só aumenta nossa fome pela Libertadores, como se as derrotas pra Boca, Grêmio, Palmeiras (duas vezes!) e River já não fossem suficientes. Não há clube no mundo que mereça tanto uma conquista como o Corinthians merece a Libertadores. Pelo tamanho do Corinthians e pela dor que sofremos pela falta dessa taça ano a ano, decepção a decepção! Não tenho dúvidas, quando chegar a hora de gritar “Campeão da América”, vai superar em dramaticidade e dimensão ao titulo de 77, depois de mais de 20 anos sem ganhar nada. A festa do São Paulo foi digna do feito, mas aquém do que vai ser quando o Corinthians vencer. Isso não é inveja, é só entender como um corintiano enxerga esse sofrimento e vislumbra a épica e inédita conquista. Será um desabafo que abalará todas as estruturas desse país. Algo jamais visto.

E vai conquistar, em breve. E quando acontecer os rivais encontrarão outra desculpa – vão negar o fato certamente –, pois dá ibope falar mal do Corinthians – contestar com todas as forças do cosmo!

E novamente parabéns São Paulo, Tri-campeão Mundial e da Libertadores da América. Pedir demais reconhecimento semelhante de palmeirenses, tricolores, santistas etc sobre meu time. Mais fácil um desfile – gracioso – de uma manada de elefantes sobre passarela de cristal terminar intacta...


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