quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

Reais valem mais do que Pesos!!!

De trem – Na tarde de sábado e após ter finalizado seus exames da universidade, Estebán Careca chegou ao hotel. Aproveitei para, como prometido, lhe dar a camisa 10 do Corinthians – e do seu compatriota Carlito -, feito de um rateio entre os que vieram em maio. O escrete brasileiro juntou as roupas e bebidas e fomos com o amigo adversário de logo mais. Além do Sérgio, Danilo e eu, o Max e o Felipe. Pois o Marcel Toni Ramos, segundo eles, é “descoordenado de tudo”. Da estação de Trem Retiro até La Lucilla é bem pertinho. Em pensar que, há quase cinco anos, do ponto do Estádio do River até a casa do Estê são pouquíssimas estações e eu andei um monte, demorou no auto bus e ainda me perdi, tendo o Carlie (irmão do Estebán) me buscado.

Biscoitos “santos” – Chegando na conhecida Calle Jose Ingenieros, deixamos as coisas. Cumprimentei seu Carlos e Dona Lili, um casal de ouro. Contaram-me das férias em Recife e Fortaleza. Gentilmente, eles me ofereceram uns biscoitinhos. Sai-me com essa: “Daqui a minutos jogarei contra seus filhos e outros argentinos. Não posso aceitar, vai que tem alguma coisa... Lembra da água santa?” Eles riram muito e fizeram que tudo bem, que entendiam a “preocupação”. Um absurdo essa brincadeira, tão dóceis como pude levantar tal suspeita?

Cabeçudo – Avisei a todos já no Brasil pra trazerem a camisa pentacampeã canarinha. A minha “joga 10” do Ronaldinho Gaúcho comprei especialmente pro jogo. Amarelo ouro pois – puta lo que o parió – custou 150 Reais! O Max e Felipe trouxeram camisas em tom amarelado. O Sérgio usou seus dotes de lavadeira na camisa do Ronaldo Fenômeno, impregnada de cachaça. Todos a postos e prontos pra ir, pus a oficial por baixo e a do Anapolina[1], nº 33, por cima. O Danilo perguntou se eu estava levando a camisa. Lógico. Não sei o que passou pela cabeça dele, que imaginou que eu estava levando o uniforme de todos?! Como se havia pedido que todos trouxessem as suas? Viajou grande...

Brasileños – Um argentino, que como nós esperavam o horário de entrar no pasto (piso sintético), questionou se éramos mesmo do Brasil, pois uma camisa verde-amarela pode ser uma homenagem de algum argentino, como se vê algumas camisas azuis e brancas por aí. Duas, uma grande coincidência, dá pra aceitar. Três não, aí é invasão brazuca digna de se notar. E ter medo. A seguir.

Foto – Diferente da outra partida que perdemos por 5x3, fora o pênalti não dado pra eles, nesse confronto seria somente quatro na linha e um no gol. Segue escalações. Brasil: Felipe no gol, Max, Sérgio, Costa e Danilo. Fotografados para a posteridade. Argentina: Estebán no gol, Daniel, Martin, Carlie e Juan. Bola rolando, pausa para um câmbio: Danilo entrou de preto devido à orelhada acima, o que causou confusão com o preto da camisa dos argentinos Daniel e Juan. Danilo usou a vermelha do Anapolina, emprestada por mim.

O jogo – Começou com equilíbrio. Max fez o primeiro, logo empatado. Segundo e terceiro a nosso favor. Os argentinos diminuíram. 3x2. Tensão. Bate-boca entre eu e o Danilo. Ele havia perdido dois gols, não reclamei pra não enervar a equipe, prefiro sempre o incentivo, as palmas. Bela jogada, ele veio fazendo fila, soltou a bola, me deixando de frente para o crime, chutei de esquerda, bisonhamente, pra fora. Ele reclamou, queria o passe pra coroar o gol, tipo a “cereja do bolo”. Não gostei, perdi a paciência e mandei um autoritário “cala a boca”. Os rivais não devem ter entendido nada – estão ganhando e brigando entre eles, ¿ que pasa? Danilo queria que lhe assistisse como fiz havia duas semanas: cinco passes pra cinco gols dele, mas simplesmente não tive a visão do passe. O gol seguinte ao entrevero a bola sobrou quicando como se pedisse “me chuta, me chuta”, obedeci ao bordão de José Silvério[2], chutei com raiva e gritei “gol” alto pra todos ouvirem, como se para diminuir os efeitos da discussão e unisse o time novamente. Ele também fez um e cobrou: “Aplaude também, Costa!” Claro, e com justiça.

Daí pra frente perdi a conta do placar. Um deles, teve marca do futebol brasileiro: a bola foi de pé em pé, o penúltimo toque foi meu, caído, para o Danilo. Só não levei a filmadora de meu irmão porque não sabia que o outro irmão a levaria para o interior, adoraria ter o registrado esse golaço, para a posteridade. Os porteños adotaram uma tática ousada adiantando o goleiro como se fosse da linha. Se deram mal, tomaram dois por erro de passe do goleiro. A única ocasião em que os contrários nos botaram na roda com uma envolvente troca de passes não redundou em gol. Além de tudo, o azar era só deles.

Com o placar na casa dos dois dígitos temi pela firula brasileira. O Danilo estava louquinho pra humilhar e dançar cumbia em cima. O Felipe andou sobre a bola duas vezes seguida. Eu tentava conter isso pedindo pra evitar, mas de acordo com o Sérgio fui contraditório: “Como você fez duas petequinhas e parou a bola dominada no pé pode pedir isso?” Mais do que ninguém, tinha motivos pra dar um troco no Daniel, pois no duelo anterior me deu um rolinho vexatório de frente. Lamentei um lance em que dei um chapéu ao lado do Daniel mas a bola pousou na cabeça do Max, sem esse corpo me atrapalhando, ou batia de prima ou avançava com a bola rumo a um golaço. Sei que sobrou rolinhos e dribles do Sérgio e Danilo. Gambetas + gols = SHOW! Aí argentino lembra que tá apanhando é de brasileiro, Pentacampeões, chocolate na Copa das Confederações, Finalistas na Libertadores, Lideres da Eliminatórias, melhor jogador do mundo etc. O resultado disso é que os antes (em maio) cordiais argentinos, perderam o fair play. Quer dizer, o Daniel, o capitão moral e organizador deles: ao menos em mim deu três pegadas, uma fui ao muro que deixou marca na palma da mão; as outras não joguei duro pois o placar estava dilatado. Mas teve mais do argento nos outros.

O gol fatal não foi feito com o pé ou a cabeça, sim pronunciado. Brasil 13x4 Argentina, não sabíamos quanto tempo restava ainda, talvez uns 5 ou 10 minutos. Só saberíamos quando soasse o apito dos donos da quadra. Daniel, ciente do placar, do nosso apetite e do preparo físico deficiente deles decretou “es suficiente”. Numa briga de vale-tudo acaso o oponente “pedir água” termina o combate. Pois assim acabou, com um placar incontestável. Eles anotam placar pela diferença de gols, o que nos dá um Brasil 9x0 Argentina. Se se considerar uma soma agregada ao match sul-americano de cinco meses atrás, ficou Brasil 16x9 Argentina. Defino essa revanche assim: nas Eliminatórias, perdemos, em Buenos Aires, por 3x1, e revidamos com um retumbante 4x1 na Copa das Confederações, ou seja, assim como nos profissionais, colocamos as coisas nos devidos lugares.

Se entrevistado fosse jamais arriscaria tamanha surra. Ninguém, por mais otimista que fosse, tascaria tal conta. E sinceramente para um próximo jogo os amigos do Esteban terão que rever e reforçar o time. Claro que, com exceção a mim, nunca seremos os mesmos, mas deu pra ter certeza que eles são limitados. Uma limitação maquiada na derrota de maio. Engraçado a definição do Marcel Toni Ramos: “Vocês estavam mais entrosados.” Como se nos conhecemos no aeroporto? Entrosados são os argentinos que se conhecem há anos e era a mesma equipe que ganhou em maio, exceção feita ao Mariano. Futebol não tem lógica, “é uma caixinha de surpresa” como reza o gasto clichê dos boleiros.

“Não acredito nesse placar”, Figueira desconfiou meio que tirando sarro. E como perdemos para os mesmos caras, meu catzo? Estava frio pra caramba, chegamos atrasados, mas principalmente, no enfrentamento passado havia ao menos três “âncoras” que afundaram nosso barco. O goleiro Gordela que aliás entregou o primeiro tento e fez um penal não anotado, ainda que tenha entrada numa fogueira desgraçada e tenha defendido vários chutes. O Maffei que, gordo e lento, comprometeu na marcação e o Tiago que destoou tecnicamente dos outros.

Só soubemos do número exato de gols pela conta individual do que cada um anotou: O Max marcou dois, lembro só do primeiro; O Danilo jogou muito e foi às redes cinco vezes, sendo que três eu tenho claro na mente; eu, ganhei a “chuteira de ouro”, meia dúzia de bolas dentro. Onze em partidas internacionais: sete no clássico da América do Sul, mais quatro em Londres-96[3].
Curioso, depois do jogo tive a sensação de não ter tido uma boa atuação. Que o ar seco, a bola pequena, os constantes escorregões no piso sintético argentino atrapalharam me demasiado. Lembro das broncas do Sérgio por em alguns momentos conduzir demais a bola Pura balela, os números falam por si só. Não bastassem os gols, os tiros a meta (+ ou – 12, sendo metade caixa), assistência (de uma eu tenho certeza) e a média de nota da galera. Depois dessa introdução, fica fácil falar dos gols. Há raros jogos em que faço uma espécie de pacto com o gol, essa tarde foi uma delas. Com sorte, a bola me procurou. Gostaria de estar de fora para enxergar melhor os lances dos outros, mas de dentro só me lembro dos meus e olhe lá.

Uma semana após o show tive claro na memória os seis gols que logrei. A eles: pode se dizer que eu, um destro convicto, entrei en la cancha da Uniball, com o pé esquerdo, pois metade dos meus gols foram com la zurda (canhota): um chute de peito de pé na gaveta – lindo!; o mais bonito, Danilo chutou antes do meio campo com o goleiro adiantado, a bola acertou o travessão – que pena, seria uma pintura! Também não valeria na regra local – “é jogo de botão?”, sacou o Figueira –, porém na seqüência, minha canhota pegou em cheio e carimbou, como num fliperama, ambas as traves em cima e sorriu para dentro: é gol! Três bombardeios na trave em menos de 10 segundos. O terceiro de canhota se passou num lance em que cortei para o meio, bati mascado e ela entrou rasteira rente à trave direita. Afora esses, arrematei uma bola na ponta direita, após receber do escanteio com muito capricho e efeito. Um ventinho a menos (ou se a trave estivesse um pouquinho mais à direita) ela entraria perfeita. Como lamentei essa infelicidade!

Com a outra perna, teve o descuido do goleiro Esteban, em que roubei o doce da criança (a bola, ora bolas) e segui sozinho. Quase perco, pois escorreguei. O “gol com grito” descrito acima. Pra fechar a conta, fintei o Estê lindamente, chutei sem goleiro e quase sem ângulo, mas o defensor tirou, a pelota ainda sobrou pra mim que, na raça, concluí.

Pós-jogo – “Não importa o resultado”, disse ao adversário Daniel. Isso depois de ter girado o botão da competitividade para o fair play, portanto a frase passa longe de hipocrisia barata. Na hora claro que todos dariam parte da vida pelo resultado em seu favor. Dentro de campo guerra. Fora, amigos – irmãos continentais que apesar das desavenças sobre vários campos sabem, com maturidade, separar e, ao final, convivem pacificamente. O pior é que grande parte, impulsionado pelos comentários mega-parciais de Galvão Magdo Bueno, encaram os hermanos com preconceito injustificado, vão no embalo patriótico-extremista do Magdo da Globo sem ao menos conhecer um argentino. “Odeio como ele [Galvão] fala da gente”, endossou a argentina Milagros, que morou seis anos em São Paulo.

No último take da partida, derrotados e vencedores se reuniram numa foto totalmente sul-americana. A foto da capa, oficial. A Brasentina II, já aquecendo o clima de integração para o encontro de logo mais, na casa de Esteban.

Não, Danilo não fez o golden goal que decidira a partida, não precisou, a disputa tornou-se tão fácil que só uma equipe brilhava intensamente. No entanto, ele foi um dos melhores em campo, portanto, dançou sua cumbia prometida. Entre nós, uma dancinha sem vergonha.
“Deixamos vocês ganharem, senão não viriam da próxima da vez”, inventou essa excusa absurda e divertida, o anfitrião fanfarrão Estebán. Se é pra falar lorotas então entrei no clima: “Entendo, também não quis fazer 10 gols, porque se fizesse vocês recusariam outro jogo. Por isso fiz só seis.” Ele ficou meio sem resposta e a conversa tomou outro rumo.

Estatísticas
Cavallo – Com as notas do Max se dá por encerrada a votação a fim de apurar qual a nota de cada jogador no clássico. A honraria mais esperada é o prêmio cavallo, o melhor no pasto[4], o MVP[5]. Abrasileirando, o melhor jogador em campo. Lembrando que o palestrino Giuliano relinchou em maio último. Nunca é demais lembrar que o petardaço dele no ângulo, foi o que mais arrancou de mim um forte grito de “gol” por admiração, tal a força e pontaria do disparo. Até o último dia eu havia praticamente decidido o prêmio de melhor jogador em favor do Danilo. Achei que além dos gols, fez belas jogadas e foi mais participativo. Todos os outros, Sérgio, Marcel, Felipe e Danilo, deram notas iguais a mim e ao Danilo. Coube ao Max, o último julgador, empatar o prêmio. Sendo assim, COSTA (em terceira pessoa mesmo) e DANILO foram os CAVALLOS brasileiros no pasto argentino, em outubro.

7,6 – A média da equipe ficou em pra lá de satisfatórios 7,6. O jurado-jogador que mais, votando, se aproximou dessa marca foi o Max: pra ele o time mereceu 7,5. Marcel, o descoordenado que não jogou e por isso imagina-se ser o que teve a melhor visão, votando se mostrou “o miguelado”: só 6,7 pros amigos. Agora quem votou sem economia alguma e inflacionou os números se chama Felipe: 8,5! Deu 10 pra mim e pro Danilo!, um exagero! 10 só Pelé e Maradona. E hoje, além de Ronaldinho Gaúcho, Tévez.

Complexo de vira-lata – Deu dó do Sérgio que se subestimou lhe auto-aplicando um injusto 6. “Num jogo de 13 gols em que eu não fiz nenhum, não mereço mais que isso.” Está equivocado, tanto que sua média ficou cravada em 7,3, ou 1,3 a mais que sua nota pessoal. O Baixinho jogou como um motorzinho pela equipe, dando dribles e passes. O fato de não ter marcado não significa que jogou mal. O Felipe também se mostrou severo sobre seu jogo: 6 contra 6,8 da média. Outro fato a se notar é que ninguém deu a si mesmo uma nota superior a média.

Maio vs Outubro – Pra apimentar polêmicas o comparativo dos dois times que enfrentou os Castelhanos. O primeiro derby – em que não atuamos mal, é bom frisar – tivemos uma média de 6,32. Já na revanche avançamos para 7,6. Uma evolução de cerca de 20%. Particularmente saltei de razoáveis 6,93 para expressivos 8,5. Ou seja, produzi 22% a mais. Sobre o melhor em campo, Giuliano atingiu o prêmio de consolação com um honroso 7,57. 15% a menos que a dupla Costa & Danilo.

Uma interessante solução para a polêmica criada é de promover um tira-teima entre os times. Eu jogaria meio tempo em cada formação. De um lado: Gordela, Giuliano, Figueira, Tiago, Maffei e Clóvis. Do outro: Max, Felipe, Danilo, Sérgio. Quem topa?

Subtítulo – Não enveredarei esses escritos na área econômica REAL, é sim uma viagem que, diferente do primeiro semestre, quando houve uma paridade entre as moedas, mas no fechamento do câmbio oscilamos e as ações argentinas foram mais eficazes e, conseqüentemente, tiveram um PESO maior. A cotação mais recente provou que nossa moeda Real – realmente – foi convertida em gols. Inflacionamos as redes albicelestes, que com a goleada sofrida caíram na REAL e entraram em crise, recessão. Essa derrota por certo trará um PESO desagradável na conjuntura econômica rival, ministros podem ser demitidos. Quiçá role um panelazo[6] nas bandas de La Lucilla. Os jogadores argentinos pareciam que carregavam PESOS nos bolsos, pois não se moviam. Enfim, mostramos quem são os PESO pesados do continente e também qual moeda-gol é mais forte no fut-5 de society.

Uncle George W Bush desceu do império até a América de Baixo. Sem muitas flores, Maradona encabeçou protestos contra o presidente americano. Será que isso tem alguma coisa que ver com a goleada também? Mas será???

Cavallo e economia argentina. Grande coincidência puxando um pouco para a realidade. Porém o cavalo deles, o Domenico, foi o superministro do governo Menem-2001/02 que – incompetente – atrelou o peso ao dólar, e trouxe uma crise que até hoje traz seqüelas ao país. Azar o deles, nossos cavallos fizeram juntos 11 gols.

[1] Ganhei essa camisa do Wesley, amigo, agente de turismo e dirigente do Anapolina, clube do interior de Goiás, o 33 da camisa homenageia o número de fundadores do time de Anápolis.
[2] Narrador de rádio da Jovem Pan.
[3] O clássico continental terminou América do Sul 19 x 16 Europa, Estebán jogou do nosso lado.
[4] Curioso nome do piso sintético argentino, em espanhol.
[5] Most Valuable Player, o melhor jogador de um determinado torneio ou jogo. Popularizado na NBA americana.
[6] Ficou popularizado nos anos de 2001/2, quando o povo foi às ruas porteñas protestar contra a política argentina da forma como tem que ser. Aqui não é assim, infelizmente não é.

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