terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Galvão Bueno – ídolo maniqueísta

Escrito em setembro de 2004
É fato, Galvão Bueno é um dos maiores narradores – senão o maior – da tevê brasileira. Além do mais caro, especula-se que receba 3 milhões anuais e tem contrato com a Rede Globo até 2006. Nas transmissões de esportes, monopoliza há longos 23 anos. Narra desde a paixão do brasileiro, futebol, aos esportes mais importantes como vôlei, basquete, formula-1 e boxe. Sempre com a mesma emoção no inconfundível timbre de voz – consegue animar até velório! –, o que o faz transformar partidas sonolentas em “jogaços”. Soma-se ainda um certo conhecimento técnico em cada modalidade esportiva.

Mais números: em agosto de 2000, a Revista Placar realizou uma enquête sobre quem é o melhor narrador e também o pior. E não é que Galvão encabeçou as duas listas? Segundo melhor narrador (perdeu para Luciano do Valle por 25 a 24) e ganhou, de goleada, como pior – 47%! Talvez sejam esses paradoxos que despertem tanta popularidade: em um jogo Brasil x Argentina, das Eliminatórias da Copa de 2002, ele atingiu 44% de ibope, o que é muito! Tudo bem que se tratava de um dos maiores clássicos do planeta, mas no outro canal, Luciano do Valle, ficou com – só – 7%.

O narrador vive mesmo de paradoxos, pois apesar de todo o cartel de estrela global, é odiado. Tem até site na internet “eu odeio o Galvão”, com um implacável patrulhamento sobre as gafes dele. Na recente coqueluche orkut, também: numa comunidade, muitos membros comentavam sobre sua aversão a argentinos. Um fato constrangedor foi quando o editor de imagens quis captar uma faixa do tipo “filma eu, Galvão”, mas pescou um lento desenrolar de faixa – “Galvão, vai pentear macacos”. Aí não tinha o que explicar...

Uma das coisas que irrita aos telespectadores mais críticos são as campanhas que encampa a atletas – o tri-campeão de automobilismo Ayrton Senna era seu amicíssimo. Em um documentário da Rede Globo, não escondeu a emoção ao dizer que, na tragédia de Imola (01/05/94), saiu da sala três vezes pra tomar um ar. Nos tempos em que Senna rivalizava com Nelson Piquet, ficou anos sem falar com o comentarista de formula-1, Reginaldo Leme, mais ligado a Piquet.

Não economiza nos “Rs” de Rrrrrronaldinhuuu”, que é outro amigo pessoal, situação que gera comentários ácidos, como atesta o site http://galvao.malukices.com.br/: “Até na própria emissora ele virou motivo de piadas, graças ao seu ufanismo, gritos histéricos e um estranho amor pelo ‘Rrrrrronaldinhuuu’.” Às vésperas da Copa da Ásia, e com o Fenômeno em forma física duvidosa, ele precisava de um sucessor, então exagerava nos comentários. “Essa será a Copa do Ronaldinho Gaúcho”, não cansava de repetir a cada jogada do craque. Hoje Kaká é um dos seus preferidos. Recentemente nas Olímpiadas, ajudou a pôr mais pressão na ginasta Daiane dos Santos, favorita ao ouro em Atenas. Bela secada!

Centralizador ao extremo. Nos comentários de arbitragem de Arnaldo César Coelho, passa a impressão de que o ridiculariza, tal as saias justas que coloca o analista. Ele se defende: “O Arnaldo é um grande amigo. Ele é uma figura engraçada, que representa a polêmica. Então eu o cutuco sempre, às vezes eles se sai bem, às vezes não. Mas não há briga. Só faço isso porque o telespectador gosta.” Enfim, parece que quer saber mais do que todos os outros comentaristas, pois comenta também. Além de torcer – e como torce!

Um dos seus críticos mais ferrenhos é o colunista da Folha de S.Paulo, José Simão, que lhe deu um simpático apelido – Magdo. De onde fica fácil o bordão “cala boca, Magdo!” Apesar da ironia cabe a ressalva do colunista: “Ele é a multidão, a tradução da multidão. Fala muita merda, mas não tem graça assistir sem ele.” Inclusive esse é o único critico que Galvão acompanha diariamente.

Sua folha corrida de polêmicas é imensa, uma das maiores delas ocorreu na Copa dos Estados Unidos, 94. Pegou muito mal nos bastidores, pois envolveu ninguém menos que Pelé – o atleta do século -, porém, como comentarista está mais para um “Galeano”. Para piorar o diálogo foi captado por parabólicas. Depois do jogo Brasil 1 x 1 Suécia, Galvão apareceu dizendo: “Eu fecho o microfone dele [Pelé], ele vem aqui e abre. O que posso fazer? Só se eu matar ele, cara!”. A discussão era travada com Fernando Vanucci, então na Globo. Eles reclamavam que o Rei falava demais.

Bem amigos da Rede Globo e leitores, esse é Galvão Bueno. A “voz do Brasil”, como na capa da Placar. Carismático, polêmico, egocêntrico, ícone global, passional, influente, poderoso, ufanista etc. Sempre entre o bem e o mal. Para o jornalismo ele passa longe de unanimidade, pois como alguém que deveria só narrar pode também comentar e torcer? Se na profissão já existe o mito da imparcialidade, com Galvão é que ela desaparece por completo. No entanto, seu ufanismo cativa um país que é carente por ídolos. E na ditadura do ibope, a receita galvaniana dá certo. Haja coração. E paciência.

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